Sexta-feira, 31 de Dezembro de 2010

Três anos depois, este que aqui vos fala no último dia de Dezembro não estará convosco no 2011. Estejam calados. Não é preciso respirar de alívio ou ficarem tristes. Tive propostas irrecusáveis e nenhuma foi acompanhada com a cabeça de um puro-sangue nos meus lençóis. A questão é que vou emigrar. Não fisicamente, mas em espírito. Todos os meus futuros patrões serão estrangeiros. Uma das propostas – vou ser indiscreto – é escrever o guião de um filme sobre Bernard Madoff, o Dona Branca nova-iorquino. O facto de os meus pais terem ganho uma pipa de massa como sócios da Madoff portuguesa habilita-me a contar a história de dentro. Contudo, temos ainda que limar certas arestas. Gostava de ter Fernando Mendes no papel principal, mas os americanos insistem no Dany DeVito. Também quero o Paulo Pires como o filho que se suicidou recentemente e eles querem impingir-me o Colin Farrell. Só problemas. Numa coisa estamos de acordo: Rita Pereira, a do decote nos Emmy, vai fazer de mulher dos dois filhos. Interpretará os papéis das duas irmãs gémeas casadas com Mark e Andrew Madoff. Caso não estejamos de acordo, tenho mais duas propostas igualmente atractivas. A BBC quer o Senhor Comentador em inglês. Vai chamar-se “Out of that, everything ok”. O meu problema é que não gosto de me repetir. Embora seja aliciante que a versão americana da série “The Office” tenha superado a original inglesa. Não sei, tenho dúvidas. Por último, mas não menos sedutor, é que o Real Madrid também me quer contratar. Como carregador de piano, no sentido figurado, claro está. Disseram-me que a idade não importava, que eles têm umas pastilhinhas fantásticas, indetectáveis. Mas não sei, vestir-me de camisola branca, calças brancas e sobretudo meias brancas, parece-me um pouco azeiteiro. O bom disto é poder dormir em Lisboa todas as noites. Mas, claro, com outras pastilhinhas, também indetectáveis, por causa do fuso horário. Seja como for, vou estar sempre contactável para a minha legião de admiradores ou não. Não digo que estes anos passados juntos foram os melhores da minha vida porque não gosto de mentir. Entre os 18 e os 21 anos diverti-me bastante mais. No entanto, foi bom falar sem ser interrompido. Por outro lado, todos sabemos que o dinheiro fala mais alto. E por ser assim, fora isso, tudo bem!



Publicada por Carlos Quevedo às 23:31
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Quinta-feira, 30 de Dezembro de 2010

Uma das explicações mais queridas sobre este tempo frio é os verões estarem mais quentes. Não só é gira como explicação, como também nos leva a acreditar que tudo faz sempre algum sentido para alguém. Como se fosse pouco, já sabemos o que dizer no próximo Verão, quando nos estivermos a desidratar colectivamente: é normal, o Inverno foi tão frio que temos de compensar. Estando este problema resolvido, sugiro que voltemos ao presente gelado que estamos todos a viver no hemisfério Norte. No meio deste gelo diário sentimos um certo aconchego com a notícia da indignação das autoridades com os aeroportos entupidos e convertidos em acampamentos ultra-caros. Graças a Deus, temos o McDonald’s; o único restaurante, juntamente com outros de fast-food, que pouca diferença fazem na qualidade e nos preços dos que funcionam fora dos aeroportos. Se pusermos de lado os problemas calóricos, gastronómicos e diarreicos, são sem dúvida uma salvação. Felizmente, dizia, os governantes europeus e outros, já pediram explicações às autoridades aeroportuárias. Não sei muito bem o que podem elas fazer contra o clima. Talvez pistas cobertas ou super-aquecidas, mas o que vale é a intenção. Outro pormenor desta onda de frio é todos estarem a falar dos problemas nos aeroportos da Costa Leste dos Estados Unidos. Mas não ouvi uma única palavra sobre os aeroportos canadianos. Afasto a possibilidade de o frio não ter ainda chegado ao Canadá. Embora seja um país bastante discreto, não acredito que tenha um clima igualmente moderado. Suponho que das duas uma: ou ninguém vai ao Canadá, ou estão tão habituados que não ligam nenhuma a esta gélida intempérie. Contudo, gostava de saber como é que é. Os canadianos não voam? Terão uma arma secreta contra os nevões? Como fazem para que nem sequer com o mau tempo sejam notícia? É um mistério. Se calhar, o Canadá é uma espécie de triângulo das Bermudas versão icebergue. Ou um paraíso climatológico invulnerável ao mundo que o rodeia. E sem conseguir resolver este enigma, vou deitar-me. Fora isso, tudo bem.



Publicada por Carlos Quevedo às 23:41
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Quarta-feira, 29 de Dezembro de 2010

Publicada há mais de três anos, a lei que estabelece a obrigatoriedade de o valor das portagens pagas nas vias sujeitas a obras ser devolvido aos utentes de auto-estradas não deu lugar a um único reembolso. As razões desta injustiça são naturais. Para simplificar, direi que só as empresas responsáveis são obrigadas ao reembolso, não quando estão em obras, mas sempre que não acautelam esta situação e não dão alternativas de itinerários alternativos. O que significa, por outras palavras: nunca. Quando os automobilistas não ouvem o canal de rádio pertinente nem se preocupam em se precaver destas circunstâncias, é evidente que não podem esperar que a empresa faça justiça por dá cá aquela palha. Eu nem sabia da existência desta lei do reembolso. E até me parece muito civilizado que exista. Mas, por amor de Deus, desde quando é que um português acredita que seja aplicável? É só para estrangeiros que não têm tempo para andar para aí com requerimentos. Eu próprio sempre julguei que não estava legislado e, quando era apanhado por obras numa auto-estrada, atrevi-me a imaginar formas de compensação. Por exemplo, não cobrar quando as obras provocassem uma considerável descida da velocidade. Em caso de acidente, dar um bónus aos condutores pelo incómodo. Fazer uma happy-hour nas horas de trânsito reduzido. Pôr as portagens em saldo em cada mudança de estação. Por exemplo, os dias antes da ponte de feriados. Até aceitava um ligeiro aumento nas horas de ponta, na condição de reduzir drasticamente os preços nas horas de menor circulação. Comprometer-se a tornar gratuitos os troços de estrada em obras, se não terminassem no tempo previamente acordado. Carros com crianças podiam ter refeições de borla para habituar as crianças portuguesas a viajar de carro. Era uma maneira de fixar uma clientela futura. Enfim, ideias não faltam. E todas são melhores do que dar a falsa esperança de que os incómodos podem ser compensados com requerimentos agressivos de reembolso ou com queixas que só provocam rancor, perdas de tempo, expectativas frustradas. Era tão bom levar as relações entre concessionários e utentes a um nível mais humano. Seja como for, nunca perdem dinheiro. O estado, essa maravilhosa invenção, compensá-los-ia. Fora isso, tudo bem.



Publicada por Carlos Quevedo às 23:35
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Terça-feira, 28 de Dezembro de 2010

Estou boquiaberto com o conselho do Presidente da Comissão Europeia. O nosso José Manuel Durão Barroso alertou numa entrevista ao jornal De Morgen que a «cacofonia de mensagens» ameaça minar a confiança na capacidade de os governos europeus lidarem com a crise da dívida soberana. Cacofonia pode significar sons discordantes ou a criação de uma palavra de mau gosto produzida pelo som do fim de uma palavra com o início da outra. Camões é muita vezes citado neste caso com o seu famoso “alma minha”. Nenhuma das duas acepções de cacofonia são apropriadas para a mensagem que Barroso quer transmitir. Não estou a ver como este último sentido se pode aplicar nas afirmações dos políticos. É difícil cacofonar com os termos da crise. Talvez se alguém perguntar ao Banco Central Europeu ou à senhora Merkl: “Quer uma mala?”. Mas duvido. No sentido mais aproximado, o de “sons discordantes”, é ofensivo para os líderes europeus. Não porque não o mereçam, mas porque não é o Presidente da União Europeia que deve ofender os tais governantes. Para isso cá estamos nós. Também não é exacto que sejam sons discordantes. Na verdade, só há só dois sons: o dos países que estão sem dinheiro e o dos países que ainda estão cheios dele. Mas sobretudo não são sons: são pedidos de desespero. Durão Barroso quis evitar este engano linguístico e, com mais precisão, apelou aos líderes governamentais para falarem menos, afirmando que «é, realmente, um problema ouvir tantas opiniões durante a crise» e afirmou num tom decidido: «apelo aos líderes políticos para estarem mais calados e deixarem os comentários para os comentadores, e perceberem que os mercados financeiros estão a ouvir». Pena não ter feito esta advertência há três meses! Bastava estarmos calados para as agências não descerem os ratings. Se a Grécia não tivesse posto a boca no trombone, a Irlanda podia ter liquidado a banca em silêncio e nós não tínhamos dado nas vistas com os PECs e o Orçamento. Ninguém tinha dado por nada. Macacos me mordam! Fora isso, tudo bem.



Publicada por Carlos Quevedo às 23:34
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Sexta-feira, 24 de Dezembro de 2010

Um dos maiores desafios da minha profissão é dizer alguma coisa original no dia de Natal. Os mais sábios não se preocupam com isso e fazem um copy/paste do texto do ano passado. Os mais preguiçosos armam-se em ateus ou anti-consumistas e ignoram-no. Os jovens gostam de falar da tristeza ou alegria que viveram nesta data quando eram ainda mais jovens. Os velhos não se importam de contar uma vez mais a mesma história. Por mim, estou distraído em todos os dias 24 de Dezembro da minha vida. O meu psicanalista disse-me que no Natal eu sentia-me como Jesus. Nunca tinha ouvido tal coisa. Complexo messiânico, acusava-me o meu pai. Vocação para mártir, ouvi-o muitas vezes das minhas irmãs. Bonzinho, sim e frequentemente pela virgem da minha mãe. Bem, isso de ser virgem era apenas uma fantasia que tinha. Mas relacionar-me tão despudorada e sacrilegamente com Jesus, nunca. Depressa percebi que a associação inesperada se devia a tanto o Menino como eu não darmos muita importância à data. Por outras palavras, ambos, com as devidas proporções, vivemos o Natal passivamente sem sermos por isso indiferentes a ele. Graças a Deus as famílias estão em harmonia nestes dias. Não por irem juntas à Missa do Galo, claro. Mas porque agora é assim. Dias frenéticos e angustiantes, monetariamente falando. Uma noite de pânico familiar e expectativa infantil. Compreendo que os fundamentalistas muçulmanos nos odeiem. O Pai Natal, o Menino Jesus, os reis magos, que, imaginem!, vieram do oriente e com camelos. Uma mãe virgem, um pai compreensivo, e uma criança muito querida rodeada de animais carinhosos é mesmo muita coisa para processar se não aprendemos desde pequeninos. Por outro lado, não é preciso exagerar. O Natal é, além de uma comemoração religiosa, um bom acordo com a sociedade mercantil. Os comerciantes de países não cristãos devem ter uma certa dor de corno, o que não faz deles inimigos. Apenas lojistas invejosos. Se calhar, era boa ideia que nos copiassem o conceito. Termos todos, sem excepção, uma data em que é correcto promover a paz, a solidariedade, reunir a família e dinamizar o comércio, podia ser interessante. Claro que ia aparecer sempre um fundamentalista a acusar o mundo inteiro de conspurcar o espírito natalício com frivolidades. A isto já estamos todos habituados. Mas seria um sonho realmente natalício que por uma vez na história tivéssemos todos o mesmo inimigo. Fora isso, bom Natal!



Publicada por Carlos Quevedo às 23:12
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