Um dos maiores desafios da minha profissão é dizer alguma coisa original no dia de Natal. Os mais sábios não se preocupam com isso e fazem um copy/paste do texto do ano passado. Os mais preguiçosos armam-se em ateus ou anti-consumistas e ignoram-no. Os jovens gostam de falar da tristeza ou alegria que viveram nesta data quando eram ainda mais jovens. Os velhos não se importam de contar uma vez mais a mesma história. Por mim, estou distraído em todos os dias 24 de Dezembro da minha vida. O meu psicanalista disse-me que no Natal eu sentia-me como Jesus. Nunca tinha ouvido tal coisa. Complexo messiânico, acusava-me o meu pai. Vocação para mártir, ouvi-o muitas vezes das minhas irmãs. Bonzinho, sim e frequentemente pela virgem da minha mãe. Bem, isso de ser virgem era apenas uma fantasia que tinha. Mas relacionar-me tão despudorada e sacrilegamente com Jesus, nunca. Depressa percebi que a associação inesperada se devia a tanto o Menino como eu não darmos muita importância à data. Por outras palavras, ambos, com as devidas proporções, vivemos o Natal passivamente sem sermos por isso indiferentes a ele. Graças a Deus as famílias estão em harmonia nestes dias. Não por irem juntas à Missa do Galo, claro. Mas porque agora é assim. Dias frenéticos e angustiantes, monetariamente falando. Uma noite de pânico familiar e expectativa infantil. Compreendo que os fundamentalistas muçulmanos nos odeiem. O Pai Natal, o Menino Jesus, os reis magos, que, imaginem!, vieram do oriente e com camelos. Uma mãe virgem, um pai compreensivo, e uma criança muito querida rodeada de animais carinhosos é mesmo muita coisa para processar se não aprendemos desde pequeninos. Por outro lado, não é preciso exagerar. O Natal é, além de uma comemoração religiosa, um bom acordo com a sociedade mercantil. Os comerciantes de países não cristãos devem ter uma certa dor de corno, o que não faz deles inimigos. Apenas lojistas invejosos. Se calhar, era boa ideia que nos copiassem o conceito. Termos todos, sem excepção, uma data em que é correcto promover a paz, a solidariedade, reunir a família e dinamizar o comércio, podia ser interessante. Claro que ia aparecer sempre um fundamentalista a acusar o mundo inteiro de conspurcar o espírito natalício com frivolidades. A isto já estamos todos habituados. Mas seria um sonho realmente natalício que por uma vez na história tivéssemos todos o mesmo inimigo. Fora isso, bom Natal!