Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2010
Numa rubrica que se poderia chamar “o mundo é Portugal”, li que A CIA criou uma task-force para avaliar o impacto da divulgação de telegramas diplomáticos passados pela organização WikiLeaks a vários jornais. Esta decisão tomada pela Agência, como dizem os especialistas como eu, é uma prova de que Portugal está em toda a parte. As comissões parlamentares e de supervisão as empresas publicas, as fundações organizadas pelo Estado, e todos esses grupos de trabalho que pretendem fazer o trabalho que devia ser feito sem grupos especiais fiscalo-policial- administrativos, são uma prática nacional enraizada no nosso ser nacional. Mas era óbvio que mais cedo ou mais tarde os burocratas estrangeiros acabariam por nos copiar. A CIA é por definição uma organização com objectivos bem definidos, como velar pela segurança dos Estados Unidos além-fronteiras. A fuga de informação é já um trabalho deles. Criar uma divisão só para tratar dos problemas levantados pela wikiLeakes é o mesmo que fazemos quando não sabemos o que fazer ou quando não queremos responsabilizar os nossos amigos, primos ou camaradas. Quando uma coisa destas sucede, nunca faltam outros amigos, primos ou camaradas que não se importam de investigar – e quando digo “investigar” estou a pôr aspas com os dedos indicadores de ambas as mãos. A desculpa que a CIA apresenta para justificar esta medida é haver tantos serviços de segurança que os segredos são partilhados por demasiadas pessoas. Falam de um milhão de confidentes. Mais ou menos a mesma quantidade de portugueses que sabia que o país estava na bancarrota, mas não diziam nada. Guardámos o segredo tão bem que até elegemos Sócrates para que continuasse a fazer de conta que estava tudo bem. Só fomos traídos por Assange qualquer que bufou às agências financeiras que fazem o rating e claro, fomos descobertos. Senão, ainda ninguém sabia nada e continuaríamos felizes. Enfim, não interessa. O importante é que para a próxima não haja tanta gente a saber um segredo. Contudo, fica-nos a alegria de ver os Estados Unidos a portugalizar-se. Sendo uma nação tão poderosa fá-lo em grande. Nos tínhamos a Dona Branca, eles tiveram o Madoff. Nós tornamos públicos os nomes dos nossos agentes secretos; eles também, mas com o pormenor de serem mais bondianos que os nossos. A nossa retirada das antigas colónias foi desastrosa, mas nada que se compare com a retirada do Iraque ou da futura retirada do Afeganistão. Para não ir mais longe, eles vão finalmente agora ter um serviço nacional de saúde. Nós já passámos por essa. E por mais correcta que seja esta decisão, podem aprender connosco as consequências deficitárias e as respectivas dores de cabeça governamentais. Para continuar a emular-nos, ainda têm de passar por uma marcha de professores e terem um dia um Teixeira dos Santos no governo. Estou orgulhoso. Sempre soube que o nosso lugar não era ao lado de Espanha, da Irlanda ou da Grécia. Não que não goste deles, mas por termos nascido para estar à frente da história. Ninguém pode competir com o nosso estilo de gerir os problemas. Só podem seguir o nosso exemplo. Mas isto é um segredo. Não digam nada. Fora isso, tudo bem.
Quarta-feira, 22 de Dezembro de 2010
A Associação do Comércio Audiovisual de Obras Culturais e de Entretenimento de Portugal vai apresentar uma queixa-crime contra mil portugueses por pirataria de filmes através da Internet. A informação não esclarece se esses mil portugueses são particulares que aproveitaram algum dos inúmeros sites dos quais se pode descarregar gratuitamente filmes, música ou livros ou se são os responsáveis daqueles sites. Infelizmente, penso que devem ser particulares que aproveitaram a oferta irrecusável de se apropriar, sem pagar, do trabalho de outros. Ainda não chegámos ao ponto a que chegou a França, que castiga tanto os provedores como os aproveitadores. Nem ao da Espanha, com a sua lei Sinde, que está prestes a funcionar da mesma maneira. Contudo, estamos em vias de nos sintonizarmos com esses países que declararam a guerra à pirataria. Confesso que a minha cabeça está com as autoridades mas o meu coração com a libertinagem informática. Sei que o meu coração está errado, mas quem pode exigir moralidade ou inteligência aos sentimentos? É verdade que a internet abriu um campo até agora impensável entre a liberdade e a propriedade. O velho conceito anarquista e comunista de que a propriedade é um roubo ficou desactualizado desde que qualquer totó consegue descarregar um livro sem custos. Sou um exemplo disso. Sou uma besta em termos informáticos, no entanto consegui downloadear um ou outro livro. Nunca fiz o mesmo com um filme porque não tenho paciência e o meu ecrã é estupidamente pequeno para ter o mínimo prazer cinematográfico. Ainda assim, a primeira vez que o fiz, não me senti contente intelectualmente, embora tenha sentido um inesperado orgulho de cometer um crime menor, como é o de roubar um livro. Porém, o problema continua e não é menor por os autores dos livros que baixei estarem irremediavelmente mortos. A indústria fonográfica está nas lonas. A do cinema e da televisão caminham depressa para a mesma situação, se não encontrarem uma maneira de compensar as perdas. O mesmo se passa com a indústria livreira. Contudo, não acredito que, como é hábito, a penalização legal seja a melhor forma de lidar com este problema. Os direitos de autor podem ser tão sagrados como a filantropia de partilhar bens sem lucrar com isso. Mas, é verdade, até lá, continua a ser feio não pagar um centavo pela autoria nem o investimento dos responsáveis da realização seja do que for. Mas uma pena de três anos de prisão parece-me um bocado exagerada. Fora isso, tudo bem.
Terça-feira, 21 de Dezembro de 2010
Os homossexuais estavam proibidos de servir no Exército até 1993, quando o Presidente Bill Clinton introduziu a política Don’t Ask, Don’t Tell, permitindo-lhes alistarem-se desde que mantivessem em segredo a sua orientação sexual. Parece que não funcionou bem. Há sempre alguém que pergunta e não faltam pessoas que são incapazes de falar da noite anterior ou das suas conquistas. Imagino os ciúmes de um sargento quando um recruta contava com pormenor a noite romântica que passou com o general ou com o chefe do regimento. Também pode ter acontecido que um oficial, farto de ser gozado pelos camaradas, tenha explodido e aparecido na cantina com a mão na anca a gritar: “Não digo, não digo e não digo”. A questão é, como sucede em todas as histórias em que se promove o segredo, é que uma vez dito ou perguntado, as consequências eram inevitável e profissionalmente nefastas. Agora esta política foi abolida e o exército americano não pode descriminar as pessoas que assumirem ser homossexuais. Suponho que é um passo enorme para combater a homofobia, muito maior que qualquer outra legislação, incluindo a do casamento. Pelos vistos, não temos esse problema nas nossas forças armadas. Na verdade, não sei se é por causa do liberalismo moral ou porque não se fala do assunto ou porque não há homossexuais no exército português. Se for por esta última, isto faria da profissão de militar a única isenta de gays, o que me parece extraordinário. Mas voltando aos Estados Unidos, pergunto-me se esta lei, com a qual concordo, terá limites definidos. Assim como há mostras exteriores ou exibicionismos heterossexuais, que são admitidos na lei, há também exibicionismos e show-off, homossexuais. Uma coisa é um sargento com um vozeiarão a tratar os recrutas por meninas e outra, uma pessoa educada e com incisiva ironia, fazer o mesmo. Para que não julguem que estou a esconder-me literariamente, pergunto até que ponto um homossexual pode ser aceitavelmente efeminado dentro do exército? Só aqueles que não o pareçam podem ser militares? As lésbicas, seja qual for o seu grau de expressividade, nunca foram um problema. Pelo contrário. Mas com os homens, que têm de comandar recrutas oriundos de terras onde ser gay é pecado, como é que é? Estes pormenores são importantes e, por vergonha ou hipocrisia, não são comentados. Haverá ou não restrições? Serão elas comportamentais ou definirão as tarefas ou as responsabilidades? Tenho a sensação de que ou há letras pequeninas nesta lei aprovada pelo senado ou ainda estão por escrever. Fora isso, tudo bem.
Segunda-feira, 20 de Dezembro de 2010
Já percebemos que o tema destas presidenciais é a miséria. Absolutamente normal num país em que os ricos já pensam como se fizessem parte da classe média, em que os que acreditavam que pertencer à classe média era estar vacinado contra a pobreza, em que os pobres sentem que ainda podem descer à categoria dos sem-abrigo e em que os sem-abrigo até estavam conformados porque nada podia ser pior. É evidente que a pobreza não pode deixar de ser um tema. Por outro lado, a ideia de um Presidente poder fazer alguma coisa para travar esta degradação social já não é um tema. Se o fosse, exibiria despudoradamente a pelintrice das honráveis funções presidenciais. Isso não impede que esta campanha se esteja a tornar um concurso a Miss Sensibilidade Social. Se os candidatos discutissem claramente o que podem ou não fazer quando forem eleitos Presidente, ninguém daria muita atenção e a indiferença chegaria aos limites da insurreição por simples omissão. Julgo que é de bom senso deixar que a discussão continue a ser o tal concurso de Misses. É por isto que acho desajustado e, talvez um pouco paranóico, que o primeiro-ministro, José Sócrates, condene quem explora “de forma descarada” a questão da pobreza para retirar dividendos políticos. Esta atitude é anti-presidencialista e um ataque encoberto ao regime. Se não os deixa falar da miséria de que podem falar os pobres candidatos? Os deveres constitucionais já são chatos. Brincar a serem presidentes à americana ou à francesa dá um bocadinho mais de motivação. Já para não dizer que ninguém está isento do seu contributo para o presente miserável do país. O lado bom desta interferência de Sócrates é obrigar os candidatos a mostrar a sua perícia sobre este esfomeado tema. Já são famosos os testemunhos de Fernando Nobre. Mas Cavaco silva não ficou atrás ao contestar assim ao primeiro-ministro: “Em 2006 fui jantar com os surdos e mudos da Casa Pia, em 2007 visitei a comunidade terapêutica da Quinta da Tomada, em 2008 recebi no Palácio de Belém os técnicos e os utentes das casas abrigo das vítimas de violência doméstica e em 2009 visitei o centro comunitário da paróquia de Carcavelos”. Ora, embrulha Zé. E agora, ó Lopes? Onde estão os teus surdos-mudos? E tu, Defensor de Moura? Que comunidade terapêutica visitaste? Alegre não tem de fazer nada. Os pobres já conhecem o seu passado antifascista. Fora isso, tudo bem.
Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2010
A Comissão Nacional de Eleições apelou hoje aos órgãos de comunicação social para que na cobertura noticiosa das eleições presidenciais contribuam para diferenciar actos de campanha de outros “praticados no exercício de uma dada função de Estado”. A mim não me enganam. O único que pode chegar a provocar alguma confusão é Cavaco Silva. Ele é o único que tem uma função de Estado. Aliás, tenho a sensação de que é também ele o único que trabalha, mas isso pode ser ainda mais difícil de diferenciar. Contudo, admito que, por exemplo, Fernando Nobre, ao ter uma ocupação bastante mediática, pode em casos pontuais, baralhar os inocentes órgãos de comunicação. Porém, podemos admitir que quando está de bata branca, rodeado de doentes e estrangeiros miseráveis, não está como candidato. Caso os doentes e miseráveis sejam portugueses e ele continue de bata branca, pode, obviamente, confundir. Jugo que seria honesto da parte de Nobre não se vestir de médico enquanto dure a campanha eleitoral. Com os outros candidatos é tudo mais simples. Como não fazem outra coisa, há que considerar que falam e actuam como aspirantes à presidência da República. Para prevenir qualquer baralhação com Cavaco, vamos ter de descodificar objectivamente os sinais. Normalmente, quando está acompanhado do cirurgião Lobo Antunes, é candidato. Mas não é matemático. Lobo Antunes, o médico, gosta muito de aparecer. Não me surpreenderia que o apanhássemos com Cavaco Presidente, como também pode acontecer ver Cavaco candidato sem Lobo Antunes ao lado e julgarmos que estamos perante Cavaco Silva presidente. O problema é bicudo e não sei se os órgãos de comunicação social chegam a descortinar estas subtilezas. Devíamos obrigar o cidadão Cavaco Silva a vestir uma farda, um bracelete ou se calhar um chapéu, que nos indique quem estamos a ver. Não está certo que a Comissão Nacional de Eleições exija tanto rigor aos órgãos de comunicação social. É difícil. São tão parecidos. Fora isso, tudo bem.